A belíssima música Romaria sempre mexeu muito comigo. A escutava e imaginava histórias...
É muito legal buscar inspiração em imagens para exercitar a escrita criativa. Há alguns anos aprendi essa técnica no curso on line Terapia da Palavra. Um curso excelente que recomendo.
Esse é o primeiro conto que escrevo inspirada numa letra musical. E que letra! Que responsabilidade!
Com vocês, meu caipira Jeremias.
༺༻
A
medida que o elevador descia pelo buraco estreito e fundo, a luz do
dia tornava-se um pequeno ponto esmaecido e distante.
Todo
dia era tudo igual. As três e meia Jeremias levantava pegava sua
caneca de alumínio amassada e encardida. Colocava três dedos de
Corote, sua bebida e principal refeição nos últimos cinco anos.
Fechava os olhos e devaneava. Pensava em Emerinda. Como estaria ela
agora? Sempre que pensava em Emerinda conseguia ver seu rosto.
Somente o rosto. E o sorriso no rosto. Sorriso de gente sincera. Um
grande diastema enfeitava o sorriso sincero de Emerinda. O cabelo?
Como era mesmo o cabelo?
Jeremias
já não sabia mais se era curto, liso ou crespo. A única coisa que
ele sabia era do sorriso sincero. A grande janela entre os dentes
brancos. Essa memória era tão boa que ele conseguia até sentir o
cheiro de café da boca de Emerinda. O café que ele não tomava
mais.
Mas
ele não tinha só lembrança boa não. Logo a vista turvava e ele
via o que não queria ver. A imagem do cavalo negro. Lindo.
Mangalarga. Fugido à galope da fazenda do Sinhô Amadeu. Num galope
selvagem, o mais selvagem que ele jamais vira. O puro sangue
atropelou Emerinda, que não tinha sangue puro como o cavalo do
Sinhô. Era fraca a Emerinda. Prenha estava do seu único filho que
não vingou. Chegou mesmo a nascer. Morto. Ainda teve Jeremias que
pagar o enterro dos dois. Pegou empréstimo com Sinhô Amadeu. Um ano
inteirinho de trabalho na lavoura. Sol a Sol. Pagou tudo e sumiu na
vida. O pouco que sobrou jogou. Perdeu. Ganhou. E perdeu de novo. Foi
aí que conheceu a branquinha. Ele gostava da branquinha. Fazia
esquecer de tudo. Pena que ele estava esquecendo até do cabelo de
Emerinda.
Há
léguas desse tempo. No tempo presente chegou Jeremias às Minas. As
Gerais. Lugar bonito. Cheio de verde. E de fortuna. Jeremias buscou
uma mina para cavar a rocha. Ficou longe das fazendas. Longe dos
cavalos. O pouco que ganhava pagava sua pinga.
E
devagar passavam os dias. Um dia na mina era igual a noite. A noite
fora da mina era mais clara que a luz do dia na mina. E Jeremias nada
via. Dia ou noite. Era tudo igual. A aguardente girava na cabeça.
Girava mundo. E os dias passavam mais devagar ainda.
Outro
dia. Três e meia. Como de costume pegou a caneca de alumínio
encardida. A Corote estava vazia. Partiu para a mina sozinho sem a
branquinha. Tudo estava diferente. O elevador descia e a luz
aumentava. Esfregou os olhos. A luz ofuscou. Jeremias nada entendeu.
De onde vem tanta luz, sô!
Chegou
no final do buraco fundo. Pegou sua pequena picareta e seguiu a luz.
Ninguém o seguiu. Sentou-se no chão e bateu na pedra. Bateu. E
bateu. E bateu. Entrou em transe. De fome e de sede. O transe da
abstinência. Bateu na pedra de olhos fechados. E com os olhos
fechados viu Maria. Sim, a Virgem. Ela apontou a direção. Jeremias
levantou-se deu três passos e bateu na rocha. E bateu. E bateu. E de
novo. E outra vez.
Uma
luz mais forte e brilhante surgiu. Um pequeno ponto. Muito brilhante.
Ele segurou pela primeira vez um diamante. Enfiou no bolso. Bateu na
rocha. De novo. E de novo. E outra vez. Uma pepita de ametista saltou
na sua mão. Levou pro patrão. E correu. Correu léguas. Foi pra
longe. A pé e feliz.
Na
cidade grande trocou seu diamante. Comprou camisa, sapato e terno de
missa. Se curou do medo da morte. Comprou um cavalo marrom. Bonito de
crina preta. Montado nele foi com rumo certo. Ao encontro de Maria.
Sim, da Virgem. Gratidão, era seu nome agora. Jeremias Gratidão.
Chegou
em Aparecida. Lugar da aparição de Maria. Sim, da Virgem. Outra
Maria apareceu. Com um sorriso sincero. Uma grande janela no sorriso.
Cabelos cor de mel, olhos de cobra. Enfeitiçou.
Agora
Jeremias tem pouso certo. Tem família. Café com pão. E criança
arrodeando ele. E cavalo bonito. Não tem medo. Só gratidão.
É
de sonho e de pó, o destino de um só
Feito eu perdido em pensamentos
Sobre o meu cavalo
É de laço e de nó, de gibeira o jiló
Dessa vida cumprida a sol
Sou caipira, Pirapora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
Sou caipira, Pirapora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
O meu pai foi peão, minha mãe, solidão
Meus irmãos perderam-se na vida
Em busca de aventuras
Descasei, joguei, investi, desisti
Se há sorte eu não sei, nunca vi
Sou caipira, Pirapora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
Sou caipira, Pirapora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
Me disseram, porém, que eu viesse aqui
Pra pedir em romaria e prece
Paz nos desaventos
Como eu não sei rezar, só queria mostrar
Meu olhar, meu olhar, meu olhar
Sou caipira, Pirapora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
Sou caipira, Pirapora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
Clique aqui para ouvir Romaria com Almir Sater
Feito eu perdido em pensamentos
Sobre o meu cavalo
É de laço e de nó, de gibeira o jiló
Dessa vida cumprida a sol
Sou caipira, Pirapora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
Sou caipira, Pirapora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
O meu pai foi peão, minha mãe, solidão
Meus irmãos perderam-se na vida
Em busca de aventuras
Descasei, joguei, investi, desisti
Se há sorte eu não sei, nunca vi
Sou caipira, Pirapora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
Sou caipira, Pirapora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
Me disseram, porém, que eu viesse aqui
Pra pedir em romaria e prece
Paz nos desaventos
Como eu não sei rezar, só queria mostrar
Meu olhar, meu olhar, meu olhar
Sou caipira, Pirapora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
Sou caipira, Pirapora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida
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