segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

3° dia - O mito de Antígona

Teresópolis, 29 de janeiro de 2018



Cláudia Brasil solicitou ao grupo de formação que fizéssemos a leitura simbólica de um conto ou mito.  Fui atraída para Antígona após assistir um curta de animação da série Grandes Mitos Gregos. O amor da heroína pelo irmão, seu respeito ao sagrado e sua transgressão são pontos de destaque dessa tragédia que tornou-se um arquétipo universal. Abaixo o trabalho apresentado.


Curso de Formação em Arteterapia - Cláudia Brasil Ateliê

Interpretação simbólica do mito Antígona
janeiro/2018


Sandra Pinto










"Os mitos, afinal de contas, são histórias que contamos repetidamente e não podemos esquecer. Eles exercem grande influência sobre nossa vida e têm também uma vida própria, rica e duradoura. Quando ouvimos descobrimos que eles podem conduzir-nos a um maior autoconhecimento e até a uma transformação e nós mesmos." 



James P Carse 


Antígona de Sófocles - síntese da tragédia 


Antígona é filha de Édipo e Jocasta e teve como irmãos Ismene, Etéocles e Polinice. Édipo, após descobrir que estava casado com sua mãe perfura os próprios olhos e parte para o exílio na companhia de sua fiel filha "irmã" Antígona. 

Ao chegarem a Colono, na Ática, Édipo morre e Antígona regressa a Tebas, onde uma nova tragédia espreita os descendentes do rei Lábdaco. 

Com o banimento de Édipo o reino de Tebas ficou a cargo dos seus filhos, Etéocles e Polinice que acordaram reinar a cidade em anos alternados. Coube a Etéocles governar o primeiro ano, mas ao fim do período recusou-se a entregar o governo ao irmão. Tem início uma grande guerra entre Etéocles e Polinice, e seus respectivos seguidores. Após muito derramamento de sangue os irmãos resolvem lutar entre si e matam um ao outro. 

Creonte, irmão de Jocasta, assumiu o governo de Tebas. Por considerar Polinice um traidor decretou a proibição dos ritos fúnebres ao sobrinho conferindo pena de morte a quem o desobedecesse. 

Antígona, inconformada, ergue-se a favor do respeito às leis divinas. Desobedece a ordem do tio e futuro sogro, e derrama terra sobre o irmão morto libertando sua alma em sua passagem para o Tártaro. 

Em represália Creonte ordena que Antígona seja enterrada viva, dentro de uma gruta sem comida e água. Seu noivo Hêmon, filho de Creonte, se mata. Eurídice mãe de Hêmon ao saber da morte do filho também comete suicídio. 

Diante do desfecho trágico Creonte adquire consciência sobre seus atos e retira-se ao seu palácio. 

Repercussão do mito 


441 ac. Acrópole. Atenienses reunidos assistem, pela primeira vez, a encenação do mito de Antígona. Qual terá sido o impacto do texto nos conterrâneos de Sófocles? Ao expressar em suas tragédias questões sobre a dor e o sofrimento humanos, Sófocles ajudava a moldar o cidadão da polis sobre a obediência às leis e à construção da democracia. 

"Sófocles propõe normas que comporiam o homem ideal para a polis democrática. E, em um exercício premeditado, no uso da razão, coloca o respeito e a obediência como características fundamentais na educação do homem da polis." (CZADOTZ, p.13) 

Em 1580, Robert Garnier escreve uma peça baseada no mito com o título Antigone ou La Piété (Antígona ou a piedade). Nesse momento a dedicação familiar é enaltecida. 

No século XX, em 1922, Jean Cocteau, anarquista convicto, encena Antígona conferindo-lhe um viés transgressor. Tem como colaboradores Picasso e Artaud, dentre outros. Reduz o texto de Sófocles pela metade e apresenta aos parisienses uma Antígona provocadora. Em carta datada de 1926 a Jacques Maritain confessa: "O instinto me empurra sempre contra a lei. Essa é a razão secreta pela qual traduzi Antígona". 

Vinte anos mais tarde Antígona sofre uma releitura e ganha um caráter nacionalista, bem ao gosto da juventude do marechal Pétain. Em 1941, León Chancerel apresentou o mito ressaltando os valores da "Revolução Nacional" e o público compreendeu que a filha de Édipo encarnava os valores contra o invasor nazista. Três anos depois Anouilh cria uma nova peça onde os valores de Creonte são ressaltados justificando as atitudes de Petáin e o regime de Vichy. Mas a força do mito se revelou e os espectadores só tiveram olhos para Antígona e sua resistência. 

A partir da segunda Guerra Mundial a tragédia ateniense foi remontada por grandes e pequenas companhias teatrais, apresentada nos grandes centros urbanos e em pequenas cidades, em universidades, enfim, pelo mundo afora. Há centenas de versões da peça. Filósofos, juristas, artistas plásticos, autores, psicólogos, pensadores nas mais diversas esferas revisitam o mito conduzindo-nos a uma reflexão sobre a transgressão, a fraternidade e o amor. 


Antígona e o arquétipo da fraternidade 


O termo fatria, usado na Grécia antiga designava cada um dos grupos em que se subdividiam as tribos atenienses. 

Na tragédia de Sófocles a fraternidade nos é apresentada em seus opostos: luz e sombra. De um lado a rivalidade entre Polinice e Etéocles, de outro o amor de Antígona por Polinice. Emoções antagônicas girando a roda da fortuna em direções opostas. 

Em defesa do valor fraterno nos diz Antígona: 

"Fosse eu casada e meu esposo falecesse, bem poderia encontrar outro, e de outro esposo teria um filho se antes eu perdesse algum; mas, morta minha mãe, morto meu pai, jamais outro irmão viria ao mundo". (Barcellos, p.30) 

Segundo Barcellos a função fraternal em nossas vidas, faz parte da atividade mitologizante da pisque. O relacionamento com o irmão constrói a fundação emocional para os relacionamentos horizontais de intimidade que estabelecemos na vida adulta. É com eles que aprendemos a nos relacionar. 

Em sua análise do arquétipo do irmão Barcellos utiliza a Astrologia como elemento simbólico para a compreensão das relações de paridade. O elemento Ar presente nas casas de relacionamento nos remete ao caminho paradoxal das experiências humanas com o outro. 

Interessante ressaltar que no diálogo entre Creonte e um guarda é um sopro de vento (Ar), uma celeste turbulência que irá revelar a transgressão cometida por Antígona. 

"Creonte 

E como a viram e pilharam em delito? 

Guarda 

O fato aconteceu assim: quando voltamos, com aquelas tuas ameaças horrorosas pesando sobre nós, tiramos toda a terra que recobria o corpo e cuidadosamente despimos o cadáver meio decomposto; então nós nos sentamos no alto da colina tendo a favor o vento para que o fedor não viesse contra nós. Estava cada um bem acordado e se esforçava por manter alerta o seu vizinho com descomposturas se alguém se descuidasse da tarefa dura. Assim passou o tempo até que o sol brilhante chegou a meio céu em sua caminhada e começou a nos queimar com seu calor; nesse momento um vento repentino e forte soprou em turbilhão - celeste turbulência - pela campina toda, desfolhando as árvores das redondezas. O ar em volta escureceu e para suportar o flagelo divino tivemos de fechar os olhos. Ao cessar aquilo, muito tempo após, vimos a moça; ela gritava agudamente, como um pássaro amargurado ao ver deserto o caro ninho, sem suas crias. Ela, vendo o corpo nu, gemendo proferiu terríveis maldições contra quem cometera a ação; amontoou com as mãos, de novo, a terra seca e levantando um gracioso jarro brônzeo derramou sobre o cadáver abundante libação". 

Gêmeos, terceira casa zodiacal, representa o irmão propriamente dito. O modo como vivenciamos o relacionamento com o irmão vai repercutir na forma como iremos lidar com nossas parcerias representadas por Libra, a sétima casa. Relações de mutualidade e reciprocidade. As parcerias com as quais podemos dividir nossos anseios. 

Após passar por Libra o sol, em seu caminho zodiacal, entra no signo de Aquário instalando-se na décima primeira casa. Aqui vivenciamos a expressão dos nossos encontros com os iguais. É a casa dos grupos, das organizações, das associações, dos amigos. O lugar de pertencimento dos camaradas, dos iguais. 

Ao defender um enterro honroso para o irmão Antígona defende o respeito às leis divinas, à ancestralidade e aos valores femininos. Defende o que lhe é igual. 


Antígona transgressora 


Etimologicamente Antígona significa: anti = diante de + goné = nascimento ou origem. Aquela que se coloca adiante de sua família ou do meio em que vive. 

Ao insubordinar-se às leis dos homens transgride a ordem vigente patriarcal representada por Creonte, certa de sua posição de defensora das leis divinas que eram anteriores às leis criadas na terra. 

Ao manter a pena de morte de sua futura nora, Creonte na verdade está tentando manter seu poder. Em sua justificativa para o filho Hêmon, argumenta: 

"Aquele que na própria casa é cumpridor de seus deveres, mostrar-se-á também correto em relação ao seu país. Se alguém transgride as leis e as violenta, ou julga ser capaz de as impingir aos detentores do poder, não ouvirá em tempo algum meus elogios; muito ao contrário, aquele que entre os homens todos for escolhido por seu povo, dever ser obedecido em tudo, nas pequenas coisas, nas coisas justas e nas que lhe são opostas. Estou seguro de que esse homem obediente será bom governante como foi bom súdito e na tormenta das batalhas ficará firme no posto, agindo como companheiro bravo e leal. Mas a anarquia é o mal pior; é perdição para a cidade faz desertos onde existiam lares; ela é causadora de defecções entre as fileiras aliadas, levando-as à derrota. A submissão, porém, é a salvação da maioria bem mandada. Devemos apoiar, portanto, a boa ordem, não permitindo que nos vença uma mulher. Se fosse inevitável, mal menor seria cair vencido por um homem, escapando à triste fama de mais fraco que as mulheres!" . Sófocles (750). 

O paradoxo em Antígona é que ao mesmo tempo em que ela defende o antigo, ou seja, a manutenção das leis familiares e divinas contra as novas leis da Cidade-Estado, transgride a ordem vigente valorizando o feminino trazendo uma nova visão. 

Creonte, por outro lado, ao cumprir as leis civis, em detrimento das leis da tradição, tem como resultado a destruição da sua própria família, que se encerra com a morte de seu filho e sua mulher. Ao final compreende que lhe faltou a prudência. 

CORO - acompanhando a lenta retirada de Creonte. 

Destaca-se a prudência sobremodo como a primeira condição para a felicidade. Não se deve ofender os deuses em nada. A desmedida empáfia nas palavras reverte em desmedidos golpes contra os soberbos que, já na velhice, aprendem afinal prudência." (Sófocles, 1485). 


Antígona e as ordens do amor 


A casa real de Tebas tinha um passado sombrio que iniciou mesmo antes de Édipo. A família foi atormentada por várias maldições, simbolizando a família disfuncional e desestruturada. 

Antígona surge como redentora. Com seu poder de amar foi capaz de vencer uma herança psicológica de destrutividade; ela redimiu o passado e conseguiu escrever um novo futuro aos descendentes de Lábdaco. 

"O poder do amor humano na família é capaz de resistir até a uma herança psicológica de grande destrutividade, redimindo o passado e refazendo o futuro." (Greene, p.37) 

A forte personalidade de Antígona, sua altivez e segurança certamente vem da consciência de sua missão. Hellinger nos fala sobre o sentimento de predestinação pessoal, de vocação ou missão. 

"Isso toca bem profundamente o cerne da pessoa e está além da consciência. Quem está em harmonia com isso sente-se em paz.
(Hellinger, p. 49) 

Essa paz é transmitida na tragédia de Sófocles quando Antígona aceita de bom grado a morte infame. Vem da certeza de estar cumprindo a sua missão para com o seu clã. Ao lutar pelo respeito às leis divinas que foram transgredidas por seus antepassados ela restabelece a ordem de sua família. É quando se dá sua káthasis (purificação). 

Antígona 

"Nasci para compartilhar amor, não ódio". Sófocles (595) 

Conclusão 


Ao buscar em si mesmo as respostas para seus anseios e dúvidas o homem contemporâneo depara-se com suas fragilidades e encontra no "homem trágico" a possibilidade de compreender-se por meio dessas tragédias. 

As personagens dessas tragédias saltaram dos textos e transformaram-se em mitos que nos influencia, quer tenhamos consciência de suas presenças ou não. 


As diversas encenações de Antígona ao longo dos séculos demonstra-nos essa influência. A força dos arquétipos revelados nessa tragédia inseriu-se na memória da humanidade elevando a consciência de diversas gerações. 


Fraternidade, transgressão às normas vigentes, valorização do feminino, consciência da nossa missão única e o restabelecimento das ordens de amor familiares são alguns alguns dos legados de Antígona que podem manifestar-se em nossas histórias pessoais. 


Referências 


SÓFOCLES. Antígona. Rio de Janeiro: Zahar, 1989 [Tradução de Mário da Gama Kury]. Kindle. 


Bibliografia 


BARCELLOS, Gustavo - O irmão: psicologia do arquétipo fraterno. Petrópolis: Vozes, 2010. 
BRANDÃO, Junito de Souza. Dicionário Mítico-Etimológico. Petrópolis: Vozes, 2014 
BRUNEL, Pierre. Dicionário de mitos literários. Rio de Janeiro: Ed José Olympo Ltda, 2000. [Tradução de Carlos Sussekind et al] 
CZADOTZ, Regina Celia Rampazzo e MELO, José Joaquim Pereira. Para além do mito a razão: uma análise da trilogia tebana de Sófocles. Anais da Jornada de Estudos Antigos e Medievais. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2013 
GREENE, Liz e SHARMAN-BURKE, Juliet - Uma viagem através dos mitos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. 
HELLINGER, Bert. Constelações familiares - o reconhecimento das ordens do amor. São Paulo: Cultrix, 2007. [Tradução de Eloisa Giancoli Tironi e Tsuyuko Jinno-Spelter] 


Sites de pesquisa 

http://eventosmitologiagrega.blogspot.com.br/2011/09/antigona-e-creonte-aprendendo-com.html em 29/01/2018 





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